Mostra Outras Danças (4º. dia) – Alex Santiago, Márcio Reis & Rochele Conde, Andréa Sales, Daniel Pizamiglio, Felipe Araújo e Paulo José

Na Mostra Outras Danças, no 4º. dia de realização, 15 de dezembro, apresentaram-se Alex Santiago, Márcio Reis & Rochele Conde, Andréa Sales, Daniel Pizamiglio, Felipe Araújo e Paulo José.

As propostas orientadas pelos coreógrafos José Luis Vidal (Chile) e John Henry Gerena (Colômbia), em mais de um mês de residência no Projeto Outras Danças: Brasil, Chile, Colômbia, projeto este promovido pela Funarte e Secult/SecultFor/Quitanda das Artes, com direção artística de Silvia Moura.

Abaixo, mais alguns comentários/impressões para a continuidade deste trabalhos que acabaram de nascer e que podem encontrar outros movimentos de amadurecimentos e continuidades. Ao final da postagem, há uma galeria com fotos das apresentações.

Percurso não é trajetória linear – Alex Santiago (Residência com José Luis Vidal)

Alex inicia o trabalho sem roupa, com ambiência de sons eletrônicos, projeções de imagens geométricas, mostrando um corpo balético em movimento. Quer falar de solidão e de percurso, por isso, utiliza-se do trocadilho com a sigla GPS, Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global), que é um instrumento de navegação por satélite. Num contexto de residências artísticas, o nome do trabalho é sintomático dos desafios desse estar juntos criando dança. Um solo não quer dizer necessariamente estarmos sozinho, mas pode acontecer, até por decisão nossa de não querer tanta interferência.

O fato é que, mesmo com todo o cuidado técnico com o obra, o corpo dançante de Alex pouco evidenciou aquilo que anuncia. Pareceu-me um corpo já completo, que não duvida de nada, que é cheios de certezas, imponente, altivo, virtuoso, pop, fashion. Onde está, então, o corpo dançante como questão, justamente para não cair nas ditas armadilhas da chamada “roupagem contemporânea”? O que vem a ser esse dançar que fala de solidão? Estar sozinho no palco não dá conta disso. Percurso não é mera trajetória linear, uma vez que há dobras, curvas, bifurcações. Isso mesmo?

Dois corpos para um só movimento? – Márcio Reis e Rochele Conde (Residência com José Luis Vidal)

Cor da Alma, de Marcio Reis e Rochele Conde, traz uma proposta de investigação de movimento, de dançar o movimento explorando combinações diversas desse estar dançando a dois. A relação de contato, um com o outro, um homem e uma mulher dançando, as relações de gênero se afirmando no movimento dos corpos, a postura do homem, a postura da mulher, as variações, a dramaticidades, enfim, elementos recorrentes e sentimos familiaridade, por exemplo, com os programas televisivos de competição, onde são exigidos ritmo, harmonia, musicalidade, entre outras qualidades de movimento. Como então romper com esses padrões onde a música conduz a dança e, por conseguinte, a dança deixa-se conduzir?

Uma dança para sentir novembro – Andréa Sales (Residência com José Luis Vidal)

Andréa Sales, em Novembro, mostrou um corpo forte e preciso organizando-se como dança. Corpo que reverencia o mês de novembro, mês dos finados, mês que aconteceu a residência com Jose Vidal, mês que nos lembra quem já partiu e para onde queremos partir. Andrea foi, na sua dança vivida, colocando-nos nesse ambiente de significados mesmo sem intencionar tanto fazer isso.

Na dança que ela propôs e propõe, percebemos um corpo que se transforma na continuidade do movimento e na repetição dos gestos. Movimento feito ritual físico e afetivo para dar soltura no corpo, movimentos que se mostram como gestos simples que rompem o espaço e instaurar outros tempos de fruição. Assim, senti uma confluência das muitas danças de Andréa Sales, toda a força de uma fisicalidade dançante, partilhando sua dança com outras danças, mostrando que insistir nos leva a caminhos outros.

Como este caminho que Novembro anuncia.

Passarinho quer dançar porque acaba de nascer –  Daniel Pizamiglio (Residência com John Henry Gerena)

Daniel Pizamiglio em Ovos Quebrados para Dançar mostra sua vontade de trabalhar com imagens na cena, propondo estas imagens para além do literal. Quero dizer que ele mostra com essa ideia/imagem nuances estéticas que nos leva a um riso que se transforma em questão. Mas qual questão? Boa pergunta!

Eis a imagem recorrente: as cascas de ovos brancos sendo carregadas, com aparente esforço, por um corpo vestido de branco e que depois coloca uma especie de gorro de frango com crista vermelha. O que Daniel quer afirmar com isso? Os indícios talvez estejam nessa dança que ele define como performance. Ou até mesmo a constatação que ele já faz performance mesmo estando na dança dançando. Confuso? Talvez.

Por enquanto, o que percebi foi a necessidade de mostrar desenvoltura de palco, a dita presença cênica, um pensamento lógico operando nessa dança/performance que ele busca construir em poucos 5 minutos, arrancando aplausos de uma platéia vibrante de fãs. Será Daniel mais um jovem artista sedento por outros movimentos de dança mais engajados com a arte contemporânea? Prefiro acreditar nisso, que é mesmo o que ele tem evidenciado nos seus experimentos, como em Ovos quebrados para dançar.

Dança para os meninos crus – Felipe Araújo (Residência com John Henry Gerena)

Mostrar a beleza do movimento, do corpo pela poética do movimento. Sem grandes questões, a Dança para os meninos crus trabalhou com elementos cênicos que denotam uma idéia de seita ou de grupo, mas, por favor, desapeguemo-nos dessas primeiras associações e busquemos singularidades, algo que a obra nos deu e que não esperávamos. Então, o que essa dança para os meninos crus nos revela?

Felipe desnuda-se dançando enquanto movimento do corpo em suas muitas nuances e tônus. A cenografia criou planos de percepção, a grandiosidade dos panos vermelhos suspensos do teto ao chão deixou o corpo de Felipe menor, corpo de menino dançante, que se contorce para denotar exuberância imatura da juventude, uma crueza que pode ser sentida nessa dança sem grandes pretensões de questionar alguma coisa, objetivamente. Quis e deixou ser esse movimento cru de dançar vermelho.

Vermelho que pode ser vermelho de sangue, de amor, uma rosa vermelha, o que não é o amarelo nem o azul, o vinho de cálice ainda não bebido, finalizando com a saia que, mesmo sem ter conexão de sentidos com o que antecedeu, remeteu-me aos tempos das apresentações do CEM no porão do TJA, quando Felipe dançava somente com uma saia preta (será a mesma saia?). Talvez esta saia junto com essa dança para os meninos crus seja o anúncio de que a dança de Felipe já tem um corpo para outros desafios de dança, será?

Resta um – Paulo José (Residência com José Luis Vidal)

O que falar da dança de Paulo José? Muitas coisas. Como dançar a dança de Paulo José? Com pele e cheiro. Como não falar da dança de Paulo José? Em silêncio na carne. Como não dançar a dança de Paulo José? Impossível, mesmo com o ombro machucado.

Foi o sentimento de ver Resta um, nome este que me lembrou multidão. Isso, subverteu a analogia com o famoso joguinho das bolinhas azuis, Paulo José dançou, para nós, um solo de uma multidão, é como se cada gesto, movimento e palavra vivenciados no palco fossem a despedida de muitos amores, um adeus que arranha (mas não corta) feito arame farpado. A cenografia tão grandiosa quanto a força de cada palavra falada feito testemunho, juntos fizeram por merecer, corpo feito pele, palavra feito arame farpado na carne.

Por exemplo, tivemos a oportunidade de assistir a releitura dele para o solo de Silvia Moura, A cadeirinha e eu, com o guarda-chuva com água pingado de dentro, denotando um grande apuro estético e sensível, invertendo a lógica do ser guarda-chuva que nos molha ao invés de nós proteger da água e, principalmente, a relação criativa de apropriar-se do material do outro, da dança do outro.

Hoje quando penso no modo de dançar de Paulo José, percebo complexidades que, por vezes, embasam nossa percepção. Uma trama estética e politica de sentimentos e movimentos, uma dramaticidade dançante, a transformação da palavra em corpo, a performatividade do testemunho/desabafo. Muitas questões estão ali presentes, não somente uma. Escolher uma delas talvez seja uma boa decisão.

Ou não, se pensarmos que um trabalho que turva nossa percepção faz-nos vislumbrar uma outra percepção, não só de dança, mas uma outro modo de perceber que nos permita outras leituras de mundo. Pois de todos os amores, presenciamos com Paulo José a “despedida” enquanto um jogo onde escolhemos e somos escolhidos, ali e acolá, até quando apercebemos que, ao final, só resta um, cada um consigo mesmo, eis a única companhia garantida, não?!

 

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1 Comentário

  1. espaçodeexposição

    A mim, que nada vi dos espetáculos, uma boa introdução ao que se pode conferir a posteriori. Em tempos difíceis: Vida longa e de qualidade à Dança no Ceará.

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