Não consigo lembrar muito bem as minhas primeiras danças, quero dizer, não consigo lembrar as danças que assisti antes mesmo de querer dançar. Por que lembrá-las? Ou melhor, por que as esqueci?
Quando decidi morar em Lisboa, eu tinha uma vontade: assistir um espetáculo de Pina Bausch. Mas no ano que decidi ir, 2009, ela faleceu meses antes da minha partida. Recentemente, no entanto, tive a oportunidade de ver dançando Steve Paxton, o mentor do contato-improvisação, também em Lisboa, até conversei com ele. Foi um experiência interessante, que me despertou pra esse assunto de memória viva da dança ou aquilo que permanece.
Pois sim, aquilo que permanece, mas permanência como algo em ação, transformando-se sempre, por isso, sua continuidade, e não como algo estático, imutável, no sentido de conservação ou mesmice (permanece igual, não mudou nada, dizem por aí). Como podemos então pensar memória atrelada a essa idéia de permanência, no que diz respeito às probabilidades e improbabilidades de uma ocorrência regular?
Este ano, a Bienal Internacional de Dança do Ceará vem trazendo, mesmo que timidamente, essa proposta de atiçar a nossa memória, com propostas de remontagem e releituras, seguindo a tendência de outros eventos brasileiros e internacionais, como o Festival Panorama de Dança, do Rio de Janeiro, que ano passado apresentou a primeira peça de Marcelo Evelin (Ai ai ai!) e seu último trabalho (Matadouro); e ainda, os muitos faunos que tem sido dançado por muitas companhias e criadores, inclusive nesse mesmo festival, com uma releitura de Raimond Rouge, ex-dramaturgo da Pina Bausch.
Aqui teremos Fauller (Cia Dita) e uma releitura da obra A cadeirinha e Eu, de Silvia Moura (CEM), que ano passado estreou na Bienal cearense e Giratório do Sesc o solo L’après Midi D’un Fauller, livremente inspirado no titulo da obra de Nijinski. Talvez ai haja uma oportunidade para os criadores cearenses começarem a se debruçar sobre as obras e mergulhar nesse universo desafiante das remontagem e releituras, que acham?
Nos Colóquios de Dança, que acontecem desde a última terça-feira, na Reitoria da UFC, e que se encerram hoje, quinta-feira (20), o assunto tem movido reflexões interessantes, como a da pesquisadora francesa Isabelle Launay, que citou o badalado dançarino Jonh Lennon da Silva e sua versão da Morte do Cisne para o programa Se ela dança, eu danço (SBT). Segundo ela, o que o jovem fez foi “uma cópia críativa, uma releitura interessante”. Podemos então dizer que ele e sua versão entraram para história da dança, não?
É que nesse movimento de remontar, especificamente, há uma questão política envolvidas nos eventos de dança que têm apoio público: que gesto e que dança será escolhido para ser lembrado? E que gesto e que dança não serão escolhidos, ou serão excluídos, para serem esquecidos?
Agora nós em nossos movimentos pessoais, que danças serão lembradas, que danças serão esquecidas na potências de serem lembradas de outros modos? E, ainda, que danças serão esquecidas, de facto?
Entender que o corpo esquece transformando e lembra transcriando, como também esquece para não mais lembrar, pode ser um caminho para acabar com certos romantismos nas discussões sobre memória da (e) Dança e dos Corpos que Dançam.
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