O evento Terceira Margem, que aconteceu nos últimos dias de outubro desse ano, em Fortaleza, pontuou a relação corpo e imagem para articular artes visuais e dança, como sua convocatória enfatizou, ao selecionar mostras de vídeo, performance, instalação e intervenção urbana. Mesmo não se tratando de um evento de dança, ele está diretamente vinculado à dança quando se fez realizável como ação ligada à Bienal Internacional de Dança do Ceará, nos seus anos não-oficiais (Bienal de Par em Par). Logo, não tem como “não olhar” para este evento cultural sem essa desconfiança-questionamento.

Dessa breve e frágil introdução, é que levanto a seguinte questão pertinente para a dança como campo de investigação artística, cientifica e, mais abrangente, a acadêmica: como pensar as especificidades da Dança, a partir da relação com as Artes Visuais? Em especial, o que vêm a ser uma instalação ou intervenção urbana que se configure como um conceito de e para a dança, mesmo que provisório e circunstancial?

Partindo do pressuposto de que a dança é uma ação cognitiva e performativa (e não simplesmente performática), levanto algumas hipóteses já demonstradas por artistas brasileiros, alguns deles presentes no Terceira Margem, hipóteses estas que aqui não se esgotam, mas que funcionam como ativadores de debate, já que não é possível abarcar tudo sozinho e num só momento. Logo, ressalto, o que almejo é criar uma ambiência para um bom diálogo. Vamos lá, então.

Martha Soares e seu “Banho”, por exemplo, foi uma boa oportunidade de se perceber a dança na versão instalação, apesar de sua apresentação não ter tido a mesma força artística quando o foi em sua estréia, em 2000, pelo Rumos Dança, projeto do Itaú Cultural, muito por conta da “nova” organização cênica – espaço menor e em conjunto, distinto do que foi anos atrás, em espaços físicos separados, onde o publico transitava entre eles. O que foi também um bom teste para o Espaço Cultural da Caixa, ao lado do Centro Dragão do Mar.

Outro exemplo é Paulo José, com seu “Estudo para Cinderela”, que aproximou mais do que pode ser uma instalação de dança quando vista como algo que se organiza no corpo em ação, de uma corporalidade que é resultante de processos e acordos em tempo real. Quero dizer, uma dança que, para ser dança, acontece no e pelo corpo.

Agora pensemos nos trabalhos de Vera Sala com seu corpo-objeto em investigação há alguns bons anos, desde seu “Estudo para Macabéia”, até mesmo para refletirmos sobre as singularidades desses dois trabalhos que trazem em comum a idéia de “estudo”, mas com enfoques-personagens bem distintos: Macabéia e Cinderela. Ou melhor, um estudo da lógica-corpo dessas duas personagens: uma que se nega mas não se anula por completo; a outra, que tem o “sapato de cristal” como dispositivo para o corpo organizar-se e trazer à tona as relações metafóricas (não só por analogia) já presentes no imaginário coletivo de todos nós, e, de modo geral, o encontro com a dita felicidade (diga-se, o dito príncipe encantado).

Já para ser intervenção, talvez tenhamos de olhar de outro modo o “Estudo para Cinderela”, que se nomeia (e foi nomeado) como “intervenção”, para que o mesmo se perceba e se questione, seja percebido e questionado. Pois acredito que intervir não é simplesmente sugerir relações, nem se validar somente por ter sido realizado nos terminais de ônibus de Fortaleza.

Assim, para se fazer intervenção, é necessário criar estratégias eficientes para que a mesma aconteça. Algo que, em seu processo, precisa de uma boa observação do local, algumas ponderações sobre que ênfases-hipóteses são desejadas pelo artista e o ato vivo (e político) da intervenção.

Continuemos…

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