Dancar à esquina, assim o fez Inês Ferreira em Esquina do Capelão com a João do Outeiro, no Festival Pedras d’Água 2011, no inicio deste julho que já estar a findar. Sempre às 13 horas, era o horário do encontro. Percebi e percebo que, nesse movimento com a cidade, estar com Inês foi dançar à esquina, ser esquina com Inês, com a rua, com quem passava, com que ia, com quem vinha, com quem lá estava na sombra enquando Inês dançava.
É que a memória da esquina do Capelão impregnou-se de corpo nos três dias de apresentações, culminâncias de um movimento bem de antes e que acompanhei desde o dia 20 de junho, quando cá em Lisboa cheguei. Um corpo que dança no ir e vir. Corpo que faz daquela esquina uma trajetória que é mais que isso, é percurso de gestos e ações físicas para desnudar um caminho de pedras e paredes. É algo assim: o gesto e o movimento experenciado na dança para fazer ver relações cotidianas de um lugar de passagem.
Não é uma rua, mas uma esquina que nos lembra cruzamentos, encruzilhadas, bifurcação que não é somente duas direções mas muitas direções. Enquanto Inês arrasta-se pelo chão, um senhor caminha no mesmo sentido e, circunstancialmente, estão juntos, cúmplices para nos fazer ver.
Do chão, ela vai para a parede, da horizontal vai para a vertical, mas em estado de diagonal, um estado transversal, com um movimento de percorrer com uma das mãos as paredes de ex-portas e ex-janelas, enquanto os olhos se libertam para ver noutras direções e nos fazer ver outros detalhes que estavam lá mas ocultos na nossa percepção condicionada. Descondicionemo-nos.
De repente, Inês some da esquina, as caixas ficam no foco, demarcam outra esquina, uma esquina imaginária para criar abstrações e nos libertar também.
Há nesse lugar momentos quase contínuos de um performar que é do ir e vir, e permanecer. Vir e ir também. Inês tenta incorporar esse movimento, fazer-se movimento, ora consegue, ora ficam claras as intenções de algo, a potência do ser. Passamos a suspeitar de que algo está acontecer mas o onde e o como não é dado a priori, temos que ginasticar ideias e percepções como indícios, metáforas sendo fisicalizadas, criando materialidades no corpo de Inês e também pelo corpo de Inês, como o passar a mão pela parede, que foi um dos gestos mais fortes da performance.
Daí a recorrência nessa escrita que deseja ser critica e se faz poética. Pois nesse momento, a mão deixa de ser mão e passa a ser olho, e os olhos deixam de ser olhos e passam a ser mãos a tatear paisagem visuais, sem deixar de ser olho e sem deixar de ser mão.
As pessoas passam a falar no telemóvel (celular), umas com as outras, criam presenças de quem está ausente, fisicamente. As conversas reverberam no espaço como presenças e imaginamos quem são estas que, mesmo ausentes, estão presentes na fala de quem está ao telemóvel aos nossos olhos, às nossas vistas.
Uma criança passa e na camisa está escrito “I AM THE ONE”, ao mesmo tempo, uma senhora cumprimenta Inês, e junto a esse momento, outra mulher passa apressada. Os três numa coreografia de relações humanas, uma enlace de movimentos e gestos que criam uma dança permeada pelo social, ou seja, por esse movimento de estar juntos em convivência de diferenças, parecenças e semelhanças, atravessada por consensos e dissensos circunstanciais.
Pois, se calhar, não vai haver outra vez, não daquele modo singular, daí a beleza dos encontros, dos encontros nos entres que, no caso, é uma esquina que nos leva para muitos lugares.
Deixemo-nos levar pelas esquinas!
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