Roberta Bernardo, Fátima Muniz e Vianna Júnior
O projeto Outras Danças: Brasil, Chile, Colômbia começa esta semana as apresentações de trabalhos resultantes das residências com os coreógrafos José Luis Vidal (Chile) e John Henry Gerena (Colômbia), projeto este promovido pela Funarte e Secult/SecultFor/Quitanda das Artes, com direção artística de Silvia Moura.
No primeiro dia, 12 de dezembro, foram apresentados, no Teatro do Dragão do Mar, as obras Marias de Mim, de Roberta Bernardo (Fortaleza/CE); Dejà Vu, de Fátima Muniz (Fortaleza/CE), ambas orientadas pelo coreógrafo John Gerena; e Proposições para o Infinito, de Viana Junior (Itapipoca/CE), orientado por José Luís Vidal.
São montagens enquanto evidências de processos, contextualizadas pela relação coreógrafo e intérprete, alimentadas por um mês de encontros, conversas e ensaios.
Partilho aqui algumas impressões/comentários com potências críticas.
Marias dançantes de mim – (Residência com John Henry Gerena)
Roberta dançou suas Marias de tambor, roda, dança íntima. Ela dançou sua intimidade em Marias de Mim. A força do cabelo forte e bom, isso ela tem e não quis ser panfletária. Sentada em uma cadeira, ela usa uma camisola branca, mas não está à espera de ninguém, mas que algo aconteça. Sapatos vermelhos ao pé da cadeira, prefere dançar descalça.
Microfone ao lado, ouvimos a fala que sai desse corpo de muitas Marias que fala de si para si, consigo. São desabafos. Ou, então, comunicados de um corpo que busca uma dança nas muitas identidades que habitam uma só, identidades que transitam e que nos forjam diariamente humanos dançantes (dançantes humanos).
Pois sim, dançou com música, entremeando-se nas luzes artesanais na altura da sua cintura-corpo, corpo este que se modifica e modifica. Pois sim, ela dança, parece mesmo gostar daquela dança molejante que cantarola brilhantina para cabelo marombado. Ora em voz própria, voz de Roberta, ora na voz de outra. Prefiro a voz delicada dela própria. Roberta tem uma voz linda, doce, que nos aproxima daquilo que pretende ser dança no seu corpo. Contudo, ela canta em duas vozes. Será mais uma Maria a querer habitar esse corpovivência de dança?
A mão arruma o cabelo, ela segura bem esse cabelo forte de mulher mestiça/negra, e faz mover o corpo, corpo move-se e se movimenta, senti muito isso. E lembre-me das mãos, dos gestos, dos pés descalços, dos rebolados, novamente dos sapatos vermelhos não calçados mas que penteiam um cabelo que precisa “arrumado”, é isso? Então onde está a força senão no cabelo? Está no corpo de Roberta em seus/nossos muitos lugares, corpos e pessoas, é?
Eu já vivi/dancei isso? (Residência com John Henry Gerena)
Fátima começa Dejá Vu sentada numa cadeira de muitas que compõem o cenário. Cadeiras como pano de fundo ou segundo plano de um corpo que se move e parece viver o já vivido no não vivido dançado. Ela está vestida apenas com uma camisa preta masculina, mexe o cabelo, contando os fios, sente, presente e pré-sente algo e me questiono: aquilo que vivemos é, de fato, o que vivemos?
Há essa sensação durante toda a apresentação de Fátima: alguém que quer ir mas não consegue ou alguém que já está indo e quer retornar. Deja Vu, palavrinha psicológica que nos questiona: eu já estive nesse lugar escuro com luzes e ventos que movem um véu branco sobre as cadeiras enquanto um corpo dança uma dança ainda não vivida e por conta disso já dançada?
Luzes, cadeiras, muitas cadeiras e tenho a sensação que há algo mais por trás de tudo isso que Fátima dança e parece ainda implícito, mas onde?
A música não é música tocada, é sim depoimentos cantarolados, ou mesmo, uma letradepoimento recitado que fala de muitas coisas, principalmente, de mudança: the world was changing (o mundo está mudando).
Um sentar levantar ir ao chão, cair, rolar, caminhar lentamente, onde esse corpo dejà vu quer chegar ou onde esse corpo pensa querer chegar, melhor, quem esse corpo que encontrar? Uma memória perdida por não ter sido vivida.
A obra nomeia-se de desejos, iminências, suposições ou realmente algo que foi bem vivido e que já não mais carece ser vivido e, contraditoriamente, insiste em querer viver e ser o que já foi sem ser. Mas é preciso ir mais fundo, mais preciso nas imagens que a contaminaram no processo (obras da fotógrafa Brooke Shaden), é preciso sim, há algo implícito bem especial nessas escolhas, sugerido apenas na movimentação.
Uma dança para o infinito – (Residência com José Luís Vidal)
Viana Júnior dança Proposições para o Infinito sem sair da pedra rocha pedaço de mundo. Ele treme, é corpo trêmulo, que se move em gestos repetidos de combate. Imagens de um corpo santo? Os gestos recorrentes criam uma prontidão para esse infinito poético que a obra vislumbra.
O termo “proposições” pode nos dizer algo que esteja na obra, e diz, filosoficamente. O infinito é então um futuro como sentença, um juízo que Viana tem/faz do (seu) mundo. Propõe sim imagens que representam a insistência, a devoção e a transformação. Mas há algo mais, pressinto.
A água cai do céu e Viana Junior permanece na pedra em estados físicos e sonoros que são escape e escapam do/no corpo. Permanece ficando quase imóvel, mesmo que insistentemente trêmulo. Permanece também se transformando em corpo inquieto, fisicalidade inquieta e inquietante.
Pelefigurino se desfaz no movimento que ora parece querer ficar na pedramundo que o suporta, que lhe é suporte; ora parece mesmo querer romper o invólucro que a pedramundo cria em torno dele e com ele.
Por que então treme e treme tanto? Tentativas de vencer a inércia e se libertar? Ou tentativas de ficar sendo o mesmo resignado? Um caminho talvez seja deixar ser.
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