De que se trata o exercício coreográfico em dança hoje? A pergunta pode parecer simples quando feita a coreógrafos, bailarinos, dançarinos, intérpretes e outros profissionais da dança. No entanto, é uma questão que permite uma gama de respostas. Mais que isso, quando formulada no contexto de uma “dança teatral” (ou espetáculo de dança), a força do seu fazer denuncia ambigüidades e contradições. No caso de Óbvio, novo trabalho da Cia. Dita, que encerra temporada neste final de semana, no teatro do Sesc Senac Iracema, tal reflexão é permeada pela idéia “coletivo sem fala”: cinco corpos tecnicamente preparados que se lançam no desafio de mostrar poéticas individuais em quatro solos, tendo o olhar como estratégia para se conectar ao outro, dentro ou fora da cena.
Mas o que é, então, uma coreografia? Apenas ação de executar passos ordenados? Como os processos são visíveis nas resultantes artísticas? E a técnica, é simplesmente estar apto, algo que determina a criação? O que está por trás das escolhas feitas por quem coreografa, onde quer chegar ou para onde quer levar o público? E mais, como isso repercute (e é assumido ou não) nos corpos dos bailarinos? É possível um coletivo sem fala?
Diante disso, a recente montagem da Cia. Dita, dirigida pelo coreógrafo Fauller, é um marco em sua trajetória. Primeiro porque opta por outro formato de apresentação mais próximo do público. Segundo, os passos de balé são assumidos como escolhas estéticas intimamente relacionadas com idéias coreográficas e desejos artísticos. Terceiro, os bailarinos-intérpretes Wilemara Barros, Marcelo Hortêncio, Reinaldo Afonso e Lairton Freitas (convidado da Cia. de Dança de Paracuru) são co-criadores, ou seja, autobiografia e criação alimentando-se mutuamente. Por conseguinte, as resultantes são corpos que testam e contestam o que vem a ser o dançar junto(s) e, com isso, propõe uma alteração do entendimento do “coreografo” como função rígida para o “coreográfico” como espaço de articulação de atividades, processos, produtos, dramaturgia, ensino, etc.
Mas que tipo de dança queremos fazer e ver? Quais são as (im)possibilidades de criar? O que fazemos do que criamos? Que nível de atenção devemos ter para perceber emergências de outros significados? Como transformar ação política em formas de dança, individual e coletivamente? Do que necessitamos para abordar certas questões através do trabalho coreográfico? Como desromantizar as (nossas) práticas artísticas?
Os trabalhos anteriores da companhia sinalizam para tais inquietações. Destaco alguns momentos. De-Vir (2002), obra de maior repercussão, foi reapresentada na edição deste ano do Festival Internacional de Dança – FID, em Belo Horizonte (MG), como também, ano passado, foi o alicerce para uma residência artística que resultou na remontagem do trabalho, fazendo parte ainda do Festival Move Berlim 2007, na Alemanha. Em 2005, junto com Carlos Antonio dos Santos (CE) e Wagner Schwartz (MG), Fauller estreou Cover, de Rachid Ouramdane, na capital cearense e depois saiu em temporada pela Europa. Atualmente, a Dita é mantida com apoio anual vindo de edital da Seculfor (antiga Funcet), na categoria manutenção de grupos, o que vem possibilitando a realização de atividades de formação e residências artísticas.
Os deslocamentos dessa temporada também são oportunos. Estreou no mesanino do Alpendre, na Rua José Avelino, onde a interferência sonora era intensa. Depois se apresentaram na sala de dança do curso técnico do Senac, que funciona no Sesc Senac Iracema, cujo isolamento acústico criou outra ambiência para o trabalho. Agora, no mesmo local, encerra temporada, mas no teatro, formato mais próximo da caixa preta (mas sem o nível alto do palco italiano), enriquecendo mais ainda o que pode ser material futuro de investigação. Justamente para ponderar: somos efetivamente os agentes de nossa própria vida e das suas condições?
Hum…, tudo isso parece óbvio, mas não é.
Esta crítica foi publicada no Caderno 3, do Diário do Nordeste (CE), em 29.11.2008.
Deixe um comentário