Nos últimos meses, retomei leituras sobre o comportamento dos animais, o que incluem o animal humano. Como a espécie eleita, fomos convencidos de que somos superiores. Mas o que vemos é que os ditos animais bichos têm nos relembrando muitas coisas sobre esses mundos-danças circundantes, esses mundos de seres viventes que se movem em nosso entorno e nos fazem pensar com o mover.
Isso porque nos encontramos num momento em que se evidenciam que nós, da espécie humana, estamos nos autodestruindo com constrangimentos, cerceamentos, violências físicas e simbólicas etc. Filhos separados das mães nessas relações de fronteira e fuga é só uma das mais dolorosas notícias. Ver uma mãe se reencontrando com seu filho separado dela por 55 dias nos faz chorar, mas esse choro é ambíguo, porque traz um misto de força e impotência.
Os animais de estimação são nossas primeiras experiências de afeto e amor, da presença ou ausência destes. Ao mesmo tempo, pensar os animais de outras espécies como esses seres que tanto estimamos deixa um lapso. Do que estimamos quando os estimamos? A submissão? A carência? A companhia? O companheirismo? O escape para nossas frustrações e sofrimentos de solidão?
Na infância, não tive bichos de estimação. Somente um, que lembro pouco. Um gato branco que acabou morrendo quando caiu num poço de água, se não me engano, do Sítio Taboca, dos meus avós maternos, perto de Tianguá, na Serra da Ibiapaba. Somente adulto é que tive a experiência de um animal em casa, que bem poderia ser animal de convivência e não de estimação.
Foram dois cães, machos, mas que vieram a falecer justamente no dia do meu aniversário, com diferença de alguns anos. Depois disse pra mim mesmo: não crio mais cachorros. Agora, de estimação, passando por de convivência, uso o verbo criar: animais de criação? Isso, como são os filhos. Animais que estão conosco em casa são como se fosse nossos filhos. Ou nós deles.
Não ter tido animais em casa quando criança deixa-me nostálgico. Seria um espaço de afetos, experimento entre espécies. Eu ia muito para o sítio dos meus avós, e também outro deles, na divisa Ceará-Piauí. Convivíamos com animais que não eram de estimação, porque eram animais de criação, não como filhos, mas para o abate ou trabalho de arar a terra. Eram relações circunstanciais, momentâneas. Tanto que nem nomes eles tinham. Estimação ou convivência, damos nomes, humanizamos eles.
Mas não seriam esses animais ditos de estimação ou de convivência os humanos que nós perdemos, que em nós se perderam? Humanizamos os bichos, mas não eles que estão nos humanizando. Como assim? É que nos tornar humanos tem sido cada vez mais difícil. Tudo programado, tudo administrável, tudo rotulável. Pois quando vejo Gonçalo, meu gato que hoje vive com minha mãe, em suas poses, na sua personalidade felina, sinto que, depois dos meus cachorros que morreram, Gonçalo nos é um oráculo humano.
A cultura popular tem nos bichos um expressão. Em Juazeiro do Norte, o artesanato representa muitos animais como imagens de bichos mitológicos, regionais, religiosos etc. Como algumas das estátuas de Mestre Noza, célebre artesão do Cariri cearense. Essas figuras, humanas e animalescas, permanecem imortalizadas na madeira talhada e são tão incríveis porque adentram nosso imaginário naquilo que já temos como imagens-memória.
Parece mesmo seres que não existem existindo. Vim uma que era um gavião ou um pássaro do bico bem afiado, mas que logo no pescoço havia talhado um quase-rosto com olhos que espiavam. Algo como homem nas penas de gavião, ou seja, um corpo humano disfarçado ou melhor, uma variação de espécies que tem olhos no pescoço.
Mais ou menos assim: “O gato preto cruzou a estrada, passou por debaixo da escada, e lá no fundo azul, na noite da floresta, a lua iluminou a dança, a roda, a festa…”. Então: “Vira! Vira! Vira! Vira! Vira! Vira Homem! Vira! Vira! Vira! Vira! Lobisomem.”
Vira! Vira? Virá! Vrá!
Bicho talhado na madeira – Mestre Noza.
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