Se dançamos a vida, somos dançados por ela. De um jeito coreográfico. Mais ou menos assim:
Pare. Escute. Fale. Dance. Mas poderia ser o contrário ou de forma aleatória, até com repetição. Escute. Dance. Pare. Fale. Fale. Fale. Escute. Dance. Pare. Dance. Dance. Dance. Dance. Daí escrevo, escreva. Ou fique mudo pra mudar. Pois o silêncio também grita e coreografa.
É que, muitas vezes, precisamos ou necessitamos olhar para aquilo que estamos vivendo. Eu paro e olho. Eu escuto e olho. Eu falo e olho. Eu danço e olho. Pare que eu paro. Escute que eu escuto. Fale que eu falo. Dance que eu danço. Ou então: dance que eu escuto: pare que eu falo: escute que eu danço: fale que eu paro. Tudo isso. Nada disso. Quase sempre. Nem sempre. Quase nunca. Isso. Será? Seremos?
Há muitas danças no mundo. Há muitos jeitos de dançar na vida. Com as pessoas com as quais convivemos, dançamos afetos, inquietações e desejos. Esse jeito bicho humano de sentir e emocionar, instintivamente. Com os contextos com os quais nos relacionamos cotidianamente, dançamos interações e as possibilidades de constatar e, também, intervir com agentes dançantes. Parece-me mais que somos bichos humanos movidos e comovidos, mas será que somos mesmo tão coreográficos assim?
Venho dançando e (me) percebendo muito nesse dançar, que é tentativa e quase sempre palpite. O corpo que dança não está apartado do mundo, porque o corpo quando dança, ele palpita, porque esse corpo que dança se faz de relações de vida enquanto tentar viver. Toda vez que dançamos, se dançamos, acionamos memórias. Dançar é, assim, algo memorável de lembranças e esquecimentos. Como já vi na sinopse de um espetáculo de dança contemporânea: dançar dói.
Feito um dançarinx-flaneur, caminho pela cidade. Somos dançarinxs-intérpretes de vidas, inclusive a vida que ousamos chamar de nossa vida, minha vida, sua vida. E caminhando, já é bem comum me deparar com muitos avisos de conduta. A maioria deles é de proibição. Não faça isso. Isso não pode. Não entre. Não saia. Não sente. Enfim, somos coreografados dia após dia por esses ditos avisos de muitos nãos que, intrinsecamente, se fazem de sins e talvezes. Porém, quem se atreve, é punido, não há perdão. Selvagerias constrangidas, assim sinto.
Tenho cuidado. Porque soa até preventivo. Mas se pararmos para pensar um pouquinho, tudo isso parece mesmo um tipo de coreografia que nos diz muito da sociedade em que vivemos e da qual fazemos parte. Incorporamos essas muitas placas ou adesivos que vai e vem estão no nosso campo de visão. Seria a vida tão coreografável assim? Tão coreografada assim?
Uma placa ou outra, um aviso ou outro, enfim, talvez não mereçam tanta atenção. Falo das recorrências, de um número quantitativo desses avisos-placas e dessas placas-avisos que normatizam, mesmo que seja uma forma de manter a sociedade em convívio harmônico. Mas desconfio de que esses excessos saturam.
Na dúvida que nos move ou nos para, eis os relances da vida que dança(mos). Pois num “relance” … dance, coreografe-se-a-si:
“Pare, repare”, mas não se (a si) compare. “Cite, recite”, mas não se (a si) incite. “Toque, retoque”, mas não se (a si) invoque. “Prove, reprove”, mas não se (a si) comprove. “Clame, reclame”, não se (a si) conclame. “Negue, renegue”, mas não se (a si) entregue. “Bata, rebata”, mas não se (a si) combata. “Fira, refira”, mas não se (a si) confira. “Bole, rebole”, mas não se (a si) embole. “Corra, recorra”, mas não se (a si) morra. “Mate, remate”, mas não se (a si) maltrate.
E “morra, renasça”.
Para se (a si) viver.
Imagem: Sabina Colares / Frame de vídeo.
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