O Festival Contemporâneo de Dança, que começou no início do mês de novembro, apresentou uma programação enxuta, focada no fortalecimento das relações que já vem estabelecendo desde a primeira edição, em 2008. Na edição 2011, foram treze dias com apresentações inéditas como também a participação de artistas que figuraram nas edições anteriores, estabelecendo, assim, uma relação de continuidade tão vital para os eventos ditos festivais, mostras e bienais, pois é uma forma eficiente de acompanhar a produção de um artista e de tantos outros e, assim, fomentar a produção de conhecimento sobre tais artistas, suas obras e como elas reverberam.
Só pude assistir os dois últimos dias, 12 e 13, nos quais, tive a oportunidade de ver o solo Quando O Sol Brilha Mais Forte a Sombra é Mais Escura, de Marcelo Gabriel, dançarino e performer mineiro que, há tempos, vem trabalhando o assunto “corpo” em suas vertentes culturais, antropofagizando relações colonizadas, eurocêntricas e totalitárias.
Mesmo causando certos incômodos propositais na interação com o público, nem sempre bem recebidos pela “vítima”, Marcelo Gabriel cria uma situação, onde o corpo sujeitado dos terrorismo nazifacistas é nosso corpo contemporâneo, pois evidencia uma corporeidade esquizo e homogeneizante, quero dizer, um corpo que processa as informações do mundo de modo padronizado, engole a seco, mas, nem por isso, o corpo sai ileso.
Outro trabalho foi de uma artista espanhola Paz Rojo (Madri), Lo Que Sea Moviéndose Así, que teve a colaboração com Christian Duarte, que na quinta e sexta, apresentou Hot 100 – The Hot One Hundred Choreographers, solo também dançado na Bienal Internacional de Dança do Ceará, na programação parceira com o Festival Ponto.CE.
Partindo do que Paz diz “Lo que sea moviéndose así”, é dizer, um CORPO: […] uma traição. Vender-se ao seu inimigo. […] “Corpo” é o nome dos limites impostos. […] Este corpo é sempre o corpo dos outros. […] Um corpo que foge a sua linguagem, atrevo-me a suspeitar…”, podemos pensar em trabalhos que buscam evidenciar um modo singular de se mover no espaço, que tem a ver também com um modo de organizar esse mover-se como dança.
Neste caso, Paz nos mostra um corpo inquieto que se move para poder estar/permanecer vivo em movimento, “estar” como ação de estados, “permanecer” como continua transformação, arrisco dizer. Uma obra-processo que, na factualidade da apresentação, partilhou estabilidades testadas mas também que emergiram em tempo real.
Tive ainda a oportunidade de assistir a palestra “Corpomídia”, ministrada por Rosa Hércoles, dramaturgista e coordenadora do curso de Artes do Corpo, da PUC/SP. Foi importante acompanhar as ideias da pesquisadora, quando já tinha lido textos sobre a Teoria Corpomidia, que, desde 2002, concebida e difundida pelas pesquisadoras Helena Katz e Christine Greiner. A partir dessa teoria, embasada nos estudos recentes sobre ciências cognitivas e sobre a evolução humana, os estudos do corpo ganham outra existência, pois passam a estar livres dos dualismos que engessa as relações com o mundo.
No caso da dança, que acontece no/pelo corpo, o pensamento que emerge na relação com abordagens não-dualistas (que não separa mente e corpo, teoria e prática, entre outras) é um pensamento que passa a questionar concepções não mais cabíveis, como a dança como arte do indizível, ou mesmo que movimento é apenas ação física visível, dentre outras contribuições.
Importante essa palestra, pois cria um ambiente crítico inserido dentro da programação, uma vez que possibilita teorizamos nossas experiências, formularmos nossas hipóteses sobre aquilo que o artista decide partilhar conosco como obra e a própria dinâmica do festival.
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