Mobilizar a dança como área de conhecimento faz necessário reconhecer a importância das escolas de dança como espaços de iniciação e também de oportunidades. Justamente pelo seu caráter artístico pré-universitário e, principalmente, para questionarmos o que vem a ser formação em dança, ou seja, úma formação que tenha como perspectiva ensino sistematizado e ação pedagógica juntos, que pode se desdobrar em ação social.
Há nisso uma tensão que se situa entre o artístico e o social, e que pode ser produtiva quando conectada com a contemporaneidade que nos engenha diariamente. Parto de uma experiência pessoal, com certas similaridades com a Escola de Dança de Paracuru, encabeçada por Flávio Sampaio, para entendermos um pouco que dança se faz, ou é possível ser feita, no contexto dito escolar ou pré-universitário.
Há alguns anos atrás, na época do extinto Colégio de Dança (1999-2002), fiz parte de uma iniciativa singular e que somente hoje é possível avaliar alguns dos bons efeitos. De uma audição “mal” sucedida, fui convidado a fazer parte da chamada Escolinha de Dança, idealizada e coordenada por Flávio Sampaio, durante o ano de 2001, com cerca de 20 rapazes. Funcionava bem mais cedo, entre 7h30 e 9h, período que tínhamos aulas de balé em uma sala de ensaio no Theatro José de Alencar, mesmo local das aulas dos alunos regulares do “Colégio” e com alguns dos quais, apresentamos, no final do mesmo ano, a remontagem do Bolero de Ravel, de Maurice Bejart, na Praça Verde do Dragão do Mar. Com o fim do Colégio, a escolinha tornou-se o Centro de Experimentações em Movimento, o CEM, desde o inicio até hoje sob a orientação da coreógrafa Silvia Moura.
Foi nesse contexto que conheci pessoas e idéias da/de dança de um modo mais regular e que me fez confrontar desejos, construir pressupostos e questionar motivações em relação às limitações e potencialidades de um corpo que queria dançar. Foi nele também que recebi meu primeiro cachê, de entender que viver de dança não é coisa boba, mas uma realidade difícil no contexto brasileiro-cearense.
Percebi demandas que ainda hoje norteiam meu olhar crítico para a dança no Ceará e no Brasil como, por exemplo, a ênfase na formação em balé clássico e pouca reflexão sobre a impossibilidade do corpo neutro. Muitos, infelizmente, ainda acreditam nisso, que tem a ver com um educar para dançar no sentido de apenas mecanizar o corpo, desconsiderando a existência de outros caminhos que priorizam a ação continuada e que não negam a relação histórica, cultural, estética e política dos corpos-que-dançam com os contextos em que mantém diálogo incessante.
Como alerta a pesquisadora e crítica de dança Helena Katz, partindo da teoria corpomidia (também de Christine Greiner), as diferenças tendem a enriquecer o processo de contaminação entre corpos e ambientes relacionais. Logo, devemos levar em questão que somos resultantes de processos civilizatórios oriundos do vigoroso histórico da colonização européia.
Para isso, faz urgente um saneamento de pressupostos que reforçam a idéia de um jeito brasileiro (ou cearense) de dançar. Desdobrando essa bobagem identitária, vêm à tona outras como “o nosso povo é um povo dançante” ou que “nossa dança tem a autenticidade de nossas raízes”.
Quando se trata de um projeto de formação, tais crendices são perigosas, pois criam embalagens boas de vender, mas que pouco ajudam a problematizar o dançar na tensão entre o artístico e o social, o que deve, ou deveria, ser o horizonte pedagógico na formação em dança.
Sei que há algo mais a dizer…mas, por enquanto, é isso.
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