Uso de um espaço público para uma instalação artística, entre os bairros da Mouraria e do Intendente, por onde passam muitas pessoas diariamente. Foi a proposta da instalação BAFATÁ, PORBANDAR, INHACA, DHAKA, CHAFARIZ DO BENFORMOSO, de Ana Estevens e Carolina Höfs no chafariz da rua Benformoso.
Nas paredes do chafariz e também no chão, e em outras paredes do entorno, foram colados retalhos de pano de estampas mestiças e cores puras, costurados em papelotes como se fossem azulejos.
Papel-papelote-pano-estampas-azulejos-parede-chafariz-escada.
Senti as estampas em estado de deslocamento, visto que antes da abertura para o público, no processo, estavam mais juntas uma das outras.
As estampas lembram-se mosaicos, mas também África e Índia. No Brasil, chamamos o pano estampado com flores de chita (flores pequenas) e chitão (flores grandes), que parece ter uma relação com a cultura portuguesa.
Gosto de ver estampas com elementos diferentes no mesmo plano. Dá-me uma confusão boa na cabeça, desestabiliza minha percepção, principalmente quando estão juntas, muitas delas, ora parecidas um pouco, ora bem diferentes e destoantes. Diferentes figuras misturadas sem o dito fazer sentido de imediato, um aparente caos.
Na instalação, existem estampas-irmãs, que guardam em si parecenças, mas, mesmo assim, são como toda a gente, diferentes. Partilham semelhanças e, nesse movimento hibrido de mestiçagens, também são distintas e, ao estarem juntas, realçam-se as singularidades de cada uma.
Tem também estampas que não são tão irmãs assim, evidenciam outras estéticas e denunciam outras origens e procedências, são, podemos dizer, parentes em algum nível, primas próximas e até distantes, pois há indícios de algum parentesco. Há também aquelas que são cores puras a criar vãos de possibilidades de mistura, mestiçagem e hibridez, ou já se misturaram, mestiçaram e hibridizaram tanto que passaram a existir de forma homogênea.
As misturas acontecem nas estampas e cores puras vistas como um panorama de gentes, pessoas, culturas, modos de vida, tentativas de sobrevivência, resistência, insistência, confronto, encontro, continuidades.
A ideia de pureza é perigosa e complicada, pensemos nela como algo que resguarda a potencia de se misturar ou do já misturado, visto que, na instalação, não estão apartadas, mas juntas em espaços distintos e distâncias aproximadas.
A instalação faz-me sentir a força do “pensamento mestiço”, me faz questionar o status multicultural, que delimita o diferente pelo diferente, e não pela sua capacidade de se diferenciar, pensando em perspectiva com a dinâmica da miscigenação cultural (entre nações e pátrias) e hibridismo cultural (conterrâneos e fronteiras borradas).
As estampas azulejo, ou azulejos-estampas, vão ao chão muitas vezes por conta do vento que passa ou da cola que não faz aderir tanto. Surge ai um aspecto que conta a favor da fruição com a obra: DESLOCAMENTO. O vento as joga no chão e sempre tem alguém que vai lá e pega e coloca no mesmo local/sitio. Algumas caem em lugares sem acesso e assim passam a pertencer aquele lugar.
Deslocamento porque, de facto, aconteceu no seu entorno, ou seja, algo no chafariz e uma camada outra a percorrer o que estava a sua volta, do chão a parede, intencionalmente colada ou sob a ação do vento e da não-aderência.
Questiono-me: o que esse acontecimento interfere na leitura da obra? Como esse acontecimento, enquanto acao física de colocar a estampa no mesmo local, incorpora-se à obra ou mesmo é incorporada na proposta por quem a concebeu?
Uma criança passou e perguntou a Carol: isto é o que? E Carol respondeu: um lugar feito para as mulheres que aqui passam todos os dias. Boa resposta.
Enquanto estava lá, uma conversa sobre ocupação artística de espaços públicos surgiu entre eu, Miguel Pereira, Marta Traquino e Paulo Raposo, sob o aspecto da burocracia em contraponto com a forca política das intervenções artísticas urbanas.
Marta enfatizou dos interesses mercadológicos (marketing) que se aproveitam dessas ações para divulgação etc. Paulo comentou sobre um evento de um grupo espanhol que parte de ações ilegais pra questionar o estatuto do espaço publico. Miguel lembrou uma ação que foi impedida em Lisboa, que era andar nu de bicicleta na cidade, muitas pessoas.
Eu disse que tem sido difícil trabalhar com a pedra em praças de Fortaleza, pela burocracia ou vigilância da policia. Se digo que é artístico, tem que ter autorização, se digo outra coisa, sou tido como louco ou sem noção e tenho que parar o que estou a fazer.
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