Precisamos rever certas danças e certos filmes naquilo que expande nosso olhar para presente com o passado e o futuro. 2019 será um ano de muitas nostalgias. Já está sendo, desde que fomos atropelados por um movimento de exceção coreografado por retrocessos trajados de avanços.
O filme Central do Brasil (1998), exibido dia 17 de janeiro de 2018 na mostra retrospectiva do Cinema do Dragão, foi bem no alvo quando nos convoca a olhar para o passado como algo que nos dá certo crédito para novamente sonhar, e não o passado com algo devedor. 2018 e 1998 tem mais coisas em comum do que se imagina esses 20 anos que os separa.
Nesse mesmo dia 17, L´après Midi D´un Fauller (2009), da Cia Dita, foi reapresentado, nos convocando também para pensar não apenas a dança “dançada”, mas uma dança que nos coreografa audiovisualmente com a metáfora do entardecer, quando o dia vai se despedindo para virar noite. Fauller performou essa dança de coreografias visuais no Theatro José de Alencar. Este ano completa 10 anos da estreia, mas o processo criativo iniciou-se no final de 2008. São 10 anos que insere esse espetáculo no que o filme Central do Brasil demarca como narrativas de resistência.
Ou seja, um filme feito de muitas coreografias sociais coletivas e uma dança dita de muitas imagens audiovisuais autobiográficas: o que fazemos ou podemos fazer ou saberemos dizer quando as nostalgias de dança e de cinema nos fortalecem?
Há uma certa nostalgia em L´après Midi D´un Fauller. Uma intersecção de retrospectivas e expectativas do que foi e ainda pode ser mais. É um espetáculo de encadeamentos com certas autonomia, ou seja, de momentos desse entardecer como um entardecendo de interrupções e continuidades. Fauller sendo Cia Dita trata coreografia não mais como sequência de passos e movimentos, pois se atreve a tratar dança coreograficamente como situações audiovisuais de ouvir e ver dança e sentir o processo de criação como acontecimento cênico.
Nessa muita nostalgia, Central do Brasil é nostalgia de alta intensidade mas que nos lembra de um Brasil que foi e ainda é com um Brasil que pode ser e que ainda resiste em sonhar que pode mais. O ano de 1998 foi realizada a terceira eleição após a promulgação da Constituição de 1988. Meses antes foi aprovada a permissão de reeleição aos ocupantes de cargos no Poder Executivo. Logo, presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) torna-se o primeiro presidente reeleito. São pistas para pensar que corpo estava sendo gestado, transformado, atravessado.
Dez anos depois, 2008, já viviamos o primeiro governo de esquerda do Brasil, com Luis Inácio Lula da Silva (LULA) como nosso presidente, reeleito como aconteceu com seu antecessor, FHC. É nesse ano de 2008 que podemos aproximar Central do Brasil e L´après Midi D´un Fauller. Mais por um desejo atrevido meu por ter visto essas dois acontecimentos artísticos no mesmo dia em que o Theatro José de Alencar promove várias ações no dia 17 de cada mês e também quando o Cinema do Dragão, do Instituto Dragão do Mar, faz abertura da mostra retroexpectativa.
Talvez essa seja a tônica e o tônus necessário para enfrentarmos o que vem pela frente mas que já se anunciou desde 2013: fazemos de nossas expectativas uma atuação de retrospectivas resistentes, lidando com essas nostalgias não nos projete medos de pensar no futuro quando o passado trás de volta certos fantasmas que pareciam extintos, mas não estavam.
Isso, de volta ao passado na era da nostalgia. O filósofo Zigmunt Bauman (2017, p.07) nos diz mais para gente pensar junto:
Agora é o futuro – sua hora de ser crucificado parece estar próxima, depois de ele ter sido aviltado como algo não confiável e não administrável – que está inscrito na coluna dos débitos. E agora é a vez de o passado ser posto na coluna dos créditos – um crédito merecido (genuína ou putativamente), por ele ainda ser um local de livre escolha e um investimento em esperanças até agora não descreditadas.
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