Uma sociedade coreografada pelas notícias falsas é um corpo que se move por aquilo que não existe mas que é desejado existir. Ou seja, fomos coreopolitizados uma vez que fomos coreopoliciados. O corpo paga, ele sempre paga, muitas vezes, uma conta que não é sua, um desejo que não é seu.
Os momentos de encontro nos alimentam, porém, logo se despotencializam quando a realidade impede empatias e só possibilita aquela simpatia de vitrine pelas causas sociais. Tempos de recolhimento e observação, com saídas estratégicas.
Lendo Judith Butler e seus corpos em aliança, constatei que resistência pede persistência, senão ficamos reativos quando coagidos ou quando coagimos. Relendo Richard Sennett, senti-me que o artífice vive em nós quando escrevemos, pois a mão ensina a ver e os olhos ensinam a fazer-pensar. Comecei a ler Suely Rolnik e suas cartografias de insurreição como pistas outras para esses sensíveis enfraquecidos mas não fragilizados.
No Rio de Janeiro, durante o encontro Trans_incorporado, em agosto último, dancei-performei na Praça Mauá onde havia um pelourinho de açoite de corpos negros e, no dia anterior, presenciamos policiais espancando um morador de rua, bem em frente ao Museu do Mar.
Estive em Itacaré, no seu Festival de Dança, e foi lindo. Daqueles momentos-oásis, comemorando os 10 anos da pesquisa Sambarroxé, meu primeiro solo autoral, nomeado como espetáculo Eu danço Sambarroxé.
Lá falei da crítica para toda dança e da dança para toda crítica, com textos e nostalgias que compõe uma coreografia de críticas de dança há quinze anos, um debut.
Mas não consegui ainda ver o espetáculo novo da Cia Balé Baião, Estado de Luta, mas já sinto sua presença virtual por existir nesses tempos de tamanha anestesia política.
Pois não há mais conciliação. Há uma elite do atraso que aguentou muito ver pessoas historicamente excluídas tendo as mesmas oportunidades, muito diferente de serem apenas incluídas.
Em março deste ano, durante um encontro de dança e somática em Brasília, sentimos a execução de Marielle Franco, dia 14 de março, furando nossa bolha artístico-acadêmica de que pensar o corpo é estar no corpo a corpo da realidade, senão fica tudo no supostamente.
Porque as eleições presidenciais nos sugaram e, ao mesmo tempo, nos deram a ver coisas imagináveis diante do imaginável. O vira voto foi a coreografia mais linda do movimento pela democracia.
Pois “é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte“.
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