Todo bicho se comporta de um jeito. Cada bicho tem seu jeito de se comportar. Nós da espécie humana tratamos como se todos fosse de um só jeito, como se comportassem apenas de uma mesma maneira. Se deixarmos de lado a postura de espécie superior, passamos a compreender que podemos aprender mais com os bichos do que eles com a gente. Por isso domesticamos eles, nos convencemos de que estamos no comando.
Quem estuda o movimento deveria passar a observar o movimento animal com outros pontos de vista. Venho fazendo isso desde que decidi virar bicho e fui confrontado com muitas formas de acessar esse devir animal. Porém, a maioria me colocava como um observador que não participava, ou seja, esse olhar de zoológico para os outros animais. Que é uma prisão, a espécie humana eleita prisioneira dela mesma, nela mesma. O perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro nos inqueta a tomar esse decisão de deslocarmos nosso corpo no perceber os mundos que nos circundam.
Dessas coincidência de quando estamos investigando algo, encontrei um texto da jornalista Eliane Brum e a experiência do zoológico. É um texto que faz parte do livro coletânea que a deu do Prêmio Jabuti de melhor livro de reportagem em 2007 com crônicas-contos publicados na imprensa em 1999: A Vida que Ninguém Vê. Ela uma repórter curiosa com a vida das pessoas anônimas, mas com história de vida que nos faz sentir o mundo e suas idiossincrasias e mais, suas contradições.
Na crônica que me chamou atenção, Eliane relata o dilema de um bicho: o macaco que ao fugir da jaula foi ao bar beber uma cerveja. Ou seja, com nome de gente, mesmo que apelido, Alemão parecia conformado com o viver na jaula, mas na primeira oportunidade, fugiu, fez de tudo para aprender a abrir a jaula e fugiu. Enfim a liberdade, mas acabou indo para a mesa de um bar para tomar um gole. De tanto ser visto pela espécie humana e vê-la observando ele como bicho enjaulado, Alemão aprendeu a se comportar com gente humana ainda sendo animal macaco.
Outras histórias jornalísticas mostram essa condição desumanizada dos animais desanimalizados.
Zoológico de Cincinnati – um gorila foi morto após uma criança de 4 anos cair em sua jaula. O Lehe Ledu Wildlife Zoo não é um zoológico como os outros, localizado em Chongqing, na China, propõe um conceito bastante original, são os humanos que permanecem em carros-jaulas enquanto os animais estão livres. O gorila Koko chora a perda do seu gato adotado, um momento tocante. Um pai e sua filha reencontram os gorilas que haviam criado há anos. E são muitas outras.
Mas os que essas notícias nos ensinam a desaprender é que somos todos gente, todos bichos. Quem maltrata quem, quem observa quem. Ou então, quem quer maltratar não maltrata, quem não quer ser observado não observa… O que nos olha, o que nos vê. Vivemos em zoológicos humanos criados por nós mesmo. Mas tem aqueles outros zoológicos humanos dos primórdios da antropologia e seu olhar animalizado desumanizante para povos da África, por exemplo.
Se estamos nesse limiar, os sinais já estão sendo dados pela natureza. Quando animais diurnos, diz uma reportagem do El País, tornam-se noturnos por medo do movimento dos corpos humanos e essa urbanização nefasta, esses animais estão nos dando uma lição e, ao mesmo tempo, mudando para sobreviver, mesmo se colocando em risco para outras espécies que tem na noite seu habitat. Quero dizer, o medo é maior da espécie humana que de qualquer outra espécie.
Dai retomo a fuga do gorila Alemão que vivia num zoológico me fez pensar sobre que liberdade damos para os bichos que tornamos de estimação ou de reclusão para apreciação, mesmo com todos os bons cuidados.
Liberte o animal, solte o animal. O animal fica dentro desta interminável piada. Mas não me mate como a um animal. Nem me maltrate como a um animal. Não venha a minha caça senão te caço. Pois se não te caço, viro tua caça. De medo ou coragem. É o bicho, é o bicho, vou te devorar, mas crocodilo eu sou? Talvez.
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