(Fotos: Joubert Arrais & Silvia Moura)
No último domingo, 15 de abril, no Teatro SESC Patativa do Assaré, em Juazeiro do Norte, pela II Mostra Nacional de Dança do Cariri e Semana D da Dança – 4a. edição, foram apresentados os trabalhos coreográficos que compõe o Programa Três Danças. Promovido pela Associação Dança Cariri, este programa fez parte da itinerância Danças para Conversar, do projeto Crítica com a Dança. São eles: João, de Erik Breno (PB); Bodas de Arame e Fita Crepe, de Aline Valim (BA) e Um Cidadão, de Sueli Guerra (RJ), esta última presente no evento e que também ministra oficina à convite do evento.
O primeiro trabalho apresentado foi o duo Bodas de Arame e Fita Crepe, dançado e interpretado por Kelyenne Maia e Tiago Souza. As relações com os materiais que compõe seu nome são elaboradas na cena com lógicas coreográficas de buscar outros usos para o arame e a fita crepe. Por lógica coreográfica entende-se não apenas a escrita do movimento de dança no espaço, mas uma geografia de ideias em movimentos dançantes. Ao longo da dança, estes materiais vão se modificando e modificando os corpos e suas intenções de falar sobre o estar juntos, o ser família, a partilha.
Nesse “movimento” é que o trabalho pode gerar as ideias com tais materiais. Não apenas o arame e a fita crepe, mas, inclusive, o tecido das roupas que, no retorcer do arame que acontece no contato corpo a corpo, passa a ser um elemento pertinente na fruição do trabalho. Investir nisso, nesse corpo que transforma e se transforma feito fita crepe e arame, e tecido, talvez seja um caminho coerente com aquilo que pretende discutir: o que faz duas pessoas permanecerem juntas? Que promessas se efetivam uma vez que a palavra “bodas” que dizer também promessas?
O segundo trabalho das Três Danças foi o solo João, dançado por João Batista que trata de memória em fragmentos. Vestido de branco, o bailarino, que “emprestou” seu nome ao trabalho, articula seu corpo para falar de si e a partir de si próprio. Ele começa em pé e depois dança mais próximo do chão, trabalha apoios, flexões e torsões. As cenas nos chegam como quadros, como imagens-poses que se articulam com as sugestões da música, buscando estar fora do seu eixo de encadeamento rítmico. Pretende ser um corpo que dança e, quando dança, já ser autobiografia? Então, o que desse João é possível ver enquanto memória circunstancial desse corpo que se organiza como movimento de dança?
Por último, Um Cidadão, foi dançado pelos intérpretes-criadores Adriano Modesto, Aline Souza e Luciana Araujo. É o único dos três trabalhos que propõe uma relação com o vídeo. É também o único em que, logo de início, já entendemos a proposta: trata-se de uma dança que busca apresentar o homem como trabalhador (nordestino brasileiro!) de sua existência no mundo. Mas será que a compreensão do que realmente constrói na cena e nos corpos está atrelada a uma estética do social e politico enquanto denúncia ou ainda a um tratamento recorrente desse homem do sertão?
No vídeo, que serve de videocenografia, há um indício de como transformar o que acontece na cena de outro modo, uma grafia que aconteça no corpo e não fora dele, até mesmo para os próprios intérpretes possam desestabilizar, enquanto criadores, e reinventar o nordeste que existe em cada um, esse nordeste não apenas em tons de barros e peso tijolo, metáforas que, no corpo e com ele, não são meras analogias.
No final das apresentações, tive a oportunidade de mediar uma conversa em que propus pensar os trabalhos naquilo que os une, não apenas por estarem juntos no mesmo projeto, mas pelas questões que suas escolhas acionam. Como também, pensá-los naquilo que os distingue, que os singulariza enquanto processos coreográficos de dança, possível?
Nesta itinerância, percebi a importância da diversidade de conhecimentos para um ambiente de dança se construindo e se consolidando nos encontros. O Programa Três Danças é uma excelente oportunidade para outros caminhos de dança, mais pensantes, críticos, questionadores, uma vez que acionou a colaboração criativa e compositiva entre artistas de contextos diferentes, como também anseios, vontades e decisões. Senti o mesmo durante a palestra Coreografias Nordestinas, que ministrei na sede da Associação Cariri e lá lancei um olhar contemporâneo, presente na escrita deste texto, permeada pelas falas de quem lá esteve.
Precisamos compreender o corpo nele próprio, esse é o caminho para uma dança engajada, política. Dança que é corpo político quando evidencia suas estratégias comunitárias para permanecer no mundo. Dança que é corpo social quando acontece acontece nas interações humanas e nunca fora delas. Dança que é corpo crítico quando duvida e questiona o que já está posto.
Crítica com a Dança
Este projeto foi contemplado com o Prêmio Klauss Vianna de Dança 2011 – Funarte.
Programa Três Danças
Este projeto foi contemplado com o Prêmio Klauss Vianna de Dança 2010 – Funarte.
Aline
Mesmo não estando presente fisicamente neste encontro, me aproximo das informações, que ressoam!
Eu fico imensamente grata pela oportunidade de estar falando com vocês, uma tentativa de encurtar distancias que os contextos nos apresentam…
Espero que as palavras me façam presente e que, de alguma forma, eu possa colaborar pra engrossar o caldo desse bate-papo!
Eu gostaria de falar pra vocês um pouco sobre a “geografia de ideias”, como coloca Joubert, que hoje, tem permeado e movido o processo artístico Bodas de Arame e Fita Crepe…e que acredito fazerem parte de uma esfera maior que diz respeito a um modo de compreendermos processos criativos-investigativos em dança.
Uma questão que tenho me debruçado, e que venho compartilhando com Kely, Tiago e Fá diz respeito à impossibilidade de estabelecermos parâmetros fixos para processos criativos- investigativos em dança.
Tenho tentado compreender a palavra PROCESSO. Palavra que usamos muitas vezes, mas que nem sempre nos damos conta de suas implicações. A primeira proposição que coloco, é que todas as coisas que existem no mundo (objetos, pessoas, situações…) são resultantes de processos, um conjunto de relações diferentes acontecendo simultaneamente. Portanto, para que algo ganhe forma (mesmo que provisória) foi necessário que várias ações acontecessem, ou deixassem de acontecer, para que tal configuração suspendesse no tempo-espaço.
E por que a dança escaparia dessa lógica?
Acredito que a dança é a resultante de processos trabalhosos, múltiplos e simultâneos. A questão se complexifica quando falamos de processos de pesquisa em dança, pois se trata de problematizarmos questões que são argumentos no corpo.
E se entendemos o corpo como um estado transitório, um fluxo de informações que estão se modificando e sendo modificadas pelo ambiente a todo tempo, não cabe mais falarmos de coisas prontas, originais, estáveis, fechadas e que não se modificam com o tempo…
Modificação, transformação é condição de sobrevivência, de ganho de complexidade…um sistema que não troca, que se fecha…tende a estabilidade, e a estabilidade tende a morte!
Essas reflexões tem modificado nossa maneira de olhar para nós mesmos e o processo de Bodas. No inicio tínhamos uma agonia por configurar logo o trabalho, devido ao curto espaço de tempo que tínhamos, hoje estamos buscando viver mais o presente..compreender as emergências do agora…e entender que o modo como o trabalho se configura a cada momento nada mais é do que ressonância do que estamos vivendo hoje.
Questões sobre o que é, de que modo se dá o trabalho coletivo-colaborativo estavam e estão nos movendo…que lugar é esse de negociação de funções? De potencializar singularidades e compreender as distinções? Trabalhar coletivamente é pensar igual? (Pra Kely, se assim for, ela disse que ta fora! Eu também to!). Como compreender hierarquias, como lidar com elas de forma funcional e coerente?
Todas essas duvidas, extrapolam a mesa de bar, as pausas pro café….são questões-corpo, que já nos modificam que por sua vez modificam o nosso fazer… como articular tudo isso a Bodas? Esse tem sido o desafio diário que nos tira da estabilidade…
O ultimo ponto que quero tocar, mas que sem duvidas Joubert, poderá falar com mais propriedade do que eu, diz respeito à produção de critica em arte, assunto que acredito também caber e ser interesse desse momento…
Recentemente tive uma aula com Fabiana Britto, discutíamos justamente a critica a partir da perspectiva da filósofa francesa Anne Cauquelin. Gostaria de levantar uma questão que levantamos em sala para refletirmos juntos-separados…
Como podemos pensar a critica em arte como processo que se dá simultaneamente a feitura de obras ou trabalhos que por sua vez também são processuais?
Bem, vou ficando por aqui…
Mas antes não posso deixar de parabenizar a Associação de Dança Cariri, por mais essa ação de seguir movendo e transformando a dança no Cariri de forma tão corajosa!
Deixo também minha alegria de estar fazendo parte dessa historia…e ver que o Três Danças moveu e continua movendo…
Obrigada Joubert, pela desdobra!
Um MÓI de abraços a todos! Aline Vallim